Uma certa amadora quarentinha resolveu nos conhecer. Na verdade, ela já conhecia alguns de nós, a maioria dos corredores nos conhecem até o irmão 10km, aí começam a criar intimidade e tal e, por isso, até os 20km recebemos visitas. Rotineiramente, são poucos os que visitam as casas acima dos 25km. Nossos irmãos acima dos 30km somos quase reclusos . Temos o irmão 42km, que é bem famoso e vive dando medalhas para quem o visita, mas já anda perdendo a arrogância antiga graças aos nossos irmãos ultra. Enfim, chega de falar da nossa família e vamos ao que interessa: nossas visitas!
A atletinha amadora Josi não foi sozinha nos visitar, na verdade ela foi acompanhada por um nosso conhecido chamado Ari, que já é da casa. Gente boa este Ari! Com certeza, isso facilitou a nossa aceitação da tal Josi.
Vamos aos fatos, relatos e fofocas desta visita:
Km 1 e 2: Somos
descida. Somos lindos. Somos Fofos. Tipo cobertores aquecendo para a noite de
inverno. Amamos todos os corredores e com o Ari e Josi não fomos diferentes.
Km 3- Sou bem
conhecido na cidade e tenho uma subida
bem bacana. Também sou rico, cheio de comércios e bancos. Sou o máximo e muito
acostumado a visitas pedestres, carros também- é necessário muita sorte para
estacionar em mim. Sou imprescindível para o povo desta cidade de Sumaré.
Km 4: Sou a
avenida mais famosa da cidade para corredores. Todos me escolhem, mesmo eu
sendo de concreto e asfalto. Invejosos dirão que é por falta de opção, tô nem
aí pra eles, deixo eles falando
sozinhos.
Km 5: Me chamo
avenida da Saudade e está na cara que só posso ser a rua que leva ao cemitério
da cidade. Já recolhi muitas lágrimas de caminhantes, mas agora não as vejo muito,
elas estão motorizadas. Vai lá Josi e Ari!Km 6 e 7: Somos rústicos, somos terra, somos chão batido. Somos parte subida, somos retão. Somos cheirosos, com árvores e passarinhos. Somos um sonho!
Km 8, 9 e 10: É o
seguinte: a gente não gosta de frescura. Na verdade, a gente é quase um morro
no meio do mato! Somos frequentados por ciclistas, o Km 4 se gaba de ser
famoso, mas só os valentes nos enfrentam! Somos descida íngreme e não somos
simplesmente subidas, somos quebra-panturrilha (e coxas, no caso dos ciclistas)
Ari nos conhece bem, vem toda semana. Trouxe a novata, que desceu e subiu num
ritmo “básico” e não parou. Não que não tenhamos deixado lembranças...
Ficamos sabendo que ela ainda vai querer visitar o nosso
irmão 28: nós rimos!
Km11: Olá! Passo
por cima da Rodovia Bandeirantes, tenho uma ponte e tenho torres de energia. Sou terra e parte
asfalto. Ari e Josi passam até que rápidos por mim.
Km 12, 13 e 14:
Eita trem bão! Temos trator, temos chácaras
e temos bar para pinguço rural. Mas
principalmente, temos terra fofa, levantamos poeira! Gostamos de deixar nossas marcas de terra nestes tênis
comprados em shopping em quem nos visita.
Mas somos educados, tratamos bem estas duas visitas, não temos subidas.
Até a próxima, corredores!
Km 15: Eu tenho
igreja de bairro, escola de criança pequena, campo de futebol, mas,
principalmente, tenho água. Pra a tal da Josi (que conheço motorizada, ela vive
passando por mim para visitar um parente) não faço diferença, ela está com uma
mochila de água. Já o companheiro Ari só curte minha água e não aceita estas
águas ensacadas de mochila. Gente boa, ele e os ciclistas de sempre!
Km 16 e 17: Temos
grama, somos beira de pista de acesso.
Não sujamos ninguém e somos bons para descansar a sola dos pés. Temos revoada de pássaros de manhã bem cedo, bem no horário que estes corredores estão passando.
Fornecemos distração para a mente deste pessoal que já começa a ficar
cansado...
Km 18: Sou
Rodovia Bandeirantes, sou cheio de asfalto, carros e até pedágio.
Ari corre por mim normalmente, mas a corredora atrás já diminuiu o ritmo
consideravelmente. Vejo ele voltando para buscá-la, ela ficou pra trás,
coitada! Foi em mim que o efeito da visita aos meus irmãos Km 9 e 10 ocorreu e
isto era bem previsível!
Km 19: Eu e meu
irmão Km 18 somos como casas geminadas: o meu irmão, asfalto. Eu, terra. Somos
grudadinhos. Vejo todo o movimento festeiro ao lado, mas sou mais simples e
rústico. E parece que isso ajudou na recuperação da Josi. Faltam só mais 9
irmãos para serem visitados.
Km 20: Sou terra
batida cheia de emoções , tipo uma montanha russa, com rampas curtas, mas
intensas. Não poderão me chamar de tedioso por isso estou indignado com as
reclamações da Josi.
Km 21: Sou aparentemente normal, com morrinhos de
sempre para variar, sou assim mesmo,
previsível. Quer dizer, tenho umas surpresinhas: cachorros latindo, com aqueles
dentões de fora, meus bichinhos de estimação! Não sei porque estes corredores
não gostam deles, eu fico magoado com isso.
Km 22 e 23: Sou
repleto de sítios e se os muros não fossem tão altos daria pra ver as
caminhonetes chiques dos nossos inquilinos. Somos terra contínua, com descida suave. Somos despedida do campo. Somos
agradáveis e simpáticos, dá pra perceber
quando os colegas corredores passam por nós tranquilamente.
Km 24: Acabou a
moleza MESMO. Meu nome oficial é Subida do Macarengo. Tenho casas. Sou asfalto.
Os corredores agora tem público. Sou bem inclinado, bastante inclinado,
dolorosamente inclinado. Me orgulho de ser um pesadelo, não mandei ninguém
passar por aqui. A corredora já começou a
andar. E ainda acham que meu número é de veado!Por ironia, termino num pronto socorro, o Upa. Ironia, não: Necessidade! Há, Há, Há!
Km 25: Tenho
asfalto, tenho casas. Tenho água de poço artesiano. Tenho parada oficial em
função disto. Sou amado, desejado, sou retilíneo, sou perfeito. Forneço sombra.
Eu acho que tudo isso é necessário, o meu irmão 24km não tem
coração!
Km 26: Sou o
antigo Km 3. Tenho várias faces. Agora sou uma descida muito boa, mas continuo
chique e rico, quero deixar isso bem claro!
Km 27 e 28: Somos
os antigos 1km e 2km aquecedores. Agora somos os detonadores, viramos nossa
face e somos subidas. Somos o Alfa e o Ômega. O começo e o Fim.
Nós sim somos os melhores,mas gostamos destes dois: eles estão sempre com a gente!
Prólogo
Segundo fonte confiáveis e inanimadas como
nós, Ari voltou para casa normalmente e
curtiu o domingo como qualquer outro fim de semana. Já a tal da Josi sofreu
assaduras que gritaram no momento do banho, isso porque a tal visita que ela
nos fez foi numa manhã agradável de outono. E comeu umas dez tangerinas para
matar a fome e a sede que a atacaram depois.
E ela ainda vai tentar visitar o nosso irmão 32 km!! É
doida!
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