domingo, 31 de julho de 2016

Capítulo VIII: Subidas e Descidas

Então uma semana após os meus primeiros e emocionantes 31km, minha panturrilha deu sinal de desistência.  Me cuidei, fiz fisioterapia, descansei e corri a gostosa  meia maratona de Balneário Camboriu.  Mas depois apareceu uma novidade e tanto na minha vida: uma canelite. Por quê?  Há várias opções de respostas:

Resposta 1: Do Treinador: Aumento do Volume.
Resposta 2: Do Fisioterapeuta:  Pisada em falso
Resposta 3: Nutricionista (se eu tivesse) : Tá gorda.
E qual seria a resposta da dona deste corpo?
Resposta  4: Da Corredora: Macumba!!

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Antes de dizerem que sou preconceituosa com religiões africanas, leiam macumba em sentido figurado. Sou agnóstica, please, pra mim é tudo igual!
Em primeiro lugar, tentei  curar a canelite sem remédios, só com fisioterapia, descanso e gelo. As dores diminuíram, mas não sumiram. Agora estou nos remédios, com certeza mais eficientes  (estou pensando tomar cataflam todos os dias no café da manhã). Queria ter tratado esta lesão só no modo natureba, mas tá na cara que caí nas drogas. Chato isso.
Mais chato que ter recorrido às drogas para alívio das minhas lesões está sendo esta tristeza e falta de fé na minha maratona. Antes eu estava na subida, sofrendo, no entanto,  indo ao cume. Hoje me sinto rolando literalmente ladeira abaixo, com a sensação de que vou dar bem de cara com o chão na última batida.
Nem todo mundo tenta a maratona. De um lado, há um ar de descrédito em  algumas pessoas, não acho que elas digam isso conscientemente para me desanimar, mas as declarações são meio pessimistas e me afetam : “Ah, eu quase morri quando eu fiz, tive que andar várias vezes” ou “ Cuidado pra não ficar em último lugar, hein? "Vai fazer bem a maratona de Foz do Iguaçu?”  Também percebo colegas que correm pra caramba, que possuem treinos parecidos com os meus e não foram muito bem em suas estreias. Tenho quase dois meses, mas com esta lesão nova (sinto o tendão de Aquiles querendo fazer graça também) parece que tudo empacou.

Há outro lado irritante que tenho observado: aqueles que não são de correr e do nada resolvem treinar para a  maratona e já conseguem de primeira, porque todos os treinos dão certos, não se machucam, nem faz sol no dia (não chove, nem gela, não venta), os músculos não se afetam,  tudo saí tão perfeito que dá vontade de avançar no pescoço deles! (tô chateada, me deixa!)
Na verdade, estou morrendo de  medo de fracassar. O fracasso tem várias formas e um dos meus maiores medos  é o de andar durante a maratona., porque voltar a correr depois não é fácil! Digo que pretendo fazer isso pra olhar as cachoeiras, mas, no fundo eu não quero. Não vou me sentir maratonista se eu o fizer. Odeio arrependimentos pós-prova e meu mantra quando estou correndo é “Não posso ter arrependimentos, não posso ter arrependimentos ...”  Não tenho preocupação com o tempo,  porém  quero praticar o esporte corrida, não caminhada.

Então fica assim: estou lá embaixo agora e preciso subir. Espero dias melhores e novas esperanças. Quem sabe se eu conseguir realizar com sucesso o meu próximo super longo?
Aguardando o próximo tempo.

Notícias de última hora: O que aconteceu no dia do meu super-longo? Tive uma infecção intestinal medonha!

"Às vezes, o capeta passa dos limites!" (outra expressão em sentido figurado, pelo amor de Deus!)




quarta-feira, 6 de julho de 2016

Capítulo VII: 31KM

Domingo de manhã a gente acorda, toma café sem leite, come bananas, bolachinhas.
Imagina a estrada.

Liga o celular, aciona o GPS e o enfia na  mochila de hidratação. Coloca musiquinha na orelha e 20 reais no bolso pra emergência. Nunca se sabe.

Todo mundo dorme. O sol está nascendo. Manhã está linda. A gente saí pro treino.
 Sozinha.
A gente desce rua. Cachorros latem. Sobe a rua lotada de motéis.
Chega na Anhanguera.  Calçada do acostamento. Segue em frente.
Vê ladeira de ciclovia e promete subi-la na próxima semana. Se der.
Passa por baixo de viadutos de carros. Há até faixa de pedestre para o ponto de ônibus vazio.
Olha a lagoa da empresa que desde os primórdios da infância esteve lá.
 Passa pelo restaurante que só visita de carro.
 Oi pés!”
“Oi chão! Tô de passagem
Lembra da colega corredora que mora do outro lado da rodovia. Seria legal a companhia. Fica pra próxima.


No ouvido, as músicas de sempre. 
Que riozinho é este que nunca vi?
Que subida é esta que nunca acaba?
Tem a igrejinha, sempre teve a igrejinha, mas agora ela é azul e não está do lado de fora do vidro do carro. Hoje ela está bem pertinho. 

Como pode ter uma lindinha destas neste cimento da Anhanguera?
E chegou a rodovia D. Pedro.
Só acostamento. Sem calçadas. Rodovia antipática para os pés.
Mas tem descida...
Mas tem marginal sendo construída...

Tem até linha do trem!
Sossego.
Tem parada para o gel, o gel não é melequento, como pode um gel não ser melequento?
Tem passarela gigante para o outro lado. Tem condomínio. Tem até grama.
E tem relógio lembrando que já se passaram duas horas!
Mas a gente corre ainda.
Devargarzinho.
Tem mais passarela, tem mais uma pista, tem mais corredores aparecendo.
Tem mais subida. Subida miudinha, doloridinha...
Tem marido já passando de carro, com a filhinha atrás no banco.
Quer carona?”
“Nem pensar
Tem lagoa do Taquaral.

Tem multidão bonita, ajeitada.
E a gente já vestida de trapo de poeira.
Três horas de corrida!
Mais dez minutos...
Mais dez minutos...
Mais dez minutos...
Pronto:  acabei de virar a Madre Tereza de Calcutá.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Capítulo VI: Os 28km falando por eles mesmos

Olá! Somos 28 irmãos e pertencemos a família dos Quilômetros. 
Uma certa amadora  quarentinha  resolveu nos conhecer. Na verdade, ela já conhecia alguns de nós, a maioria dos corredores nos conhecem até o irmão 10km,  aí começam a criar intimidade e tal e, por isso,  até os 20km recebemos  visitas.  Rotineiramente, são poucos os que visitam as casas acima dos 25km. Nossos irmãos  acima dos 30km somos quase reclusos . Temos o irmão 42km, que  é bem famoso e vive dando medalhas para quem o visita, mas já  anda perdendo a  arrogância antiga graças aos nossos irmãos ultra. Enfim, chega de falar da nossa família e vamos ao que interessa: nossas visitas!
A atletinha amadora Josi não foi sozinha nos visitar, na verdade ela foi acompanhada por um nosso conhecido chamado Ari, que já é da casa. Gente boa este Ari! Com certeza, isso facilitou a nossa aceitação da tal Josi.
Vamos  aos fatos, relatos e fofocas desta visita:

Km 1 e 2: Somos descida. Somos lindos. Somos Fofos. Tipo cobertores aquecendo para a noite de inverno. Amamos todos os corredores e com o Ari e Josi não fomos diferentes.
Km 3- Sou bem conhecido  na cidade e tenho uma subida bem bacana. Também sou rico, cheio de comércios e bancos. Sou o máximo e muito acostumado a visitas pedestres, carros também- é necessário muita sorte para estacionar em mim. Sou imprescindível para o povo desta cidade de Sumaré.

Km 4: Sou a avenida mais famosa da cidade para corredores. Todos me escolhem, mesmo eu sendo de concreto e asfalto. Invejosos dirão que é por falta de opção, tô nem aí pra eles,  deixo eles falando sozinhos.
Km 5: Me chamo avenida da Saudade e está na cara que só posso ser a rua que leva ao cemitério da cidade. Já recolhi muitas lágrimas de caminhantes, mas agora não as vejo muito, elas estão motorizadas. Vai lá Josi e Ari!
Km 6 e 7: Somos rústicos, somos terra, somos chão batido. Somos parte subida, somos retão. Somos cheirosos, com árvores e passarinhos. Somos um sonho!

Km 8, 9 e 10: É o seguinte: a gente não gosta de frescura. Na verdade, a gente é quase um morro no meio do mato! Somos frequentados por ciclistas, o Km 4 se gaba de ser famoso, mas só os valentes nos enfrentam! Somos descida íngreme e não somos simplesmente subidas, somos quebra-panturrilha (e coxas, no caso dos ciclistas) Ari nos conhece bem, vem toda semana. Trouxe a novata, que desceu e subiu num ritmo “básico” e não parou. Não que não tenhamos deixado lembranças...
Ficamos sabendo que ela ainda vai querer visitar o nosso irmão 28: nós rimos!

Km11: Olá! Passo por cima da Rodovia Bandeirantes, tenho uma ponte  e tenho torres de energia. Sou terra e parte asfalto. Ari e Josi passam até que rápidos por mim.
Km 12, 13 e 14: Eita trem bão! Temos  trator, temos chácaras e temos  bar para pinguço rural. Mas principalmente, temos terra fofa, levantamos   poeira!  Gostamos  de deixar nossas marcas de terra nestes tênis comprados em shopping em quem nos visita.  Mas somos educados, tratamos bem estas duas visitas, não temos  subidas.  Até a próxima, corredores!

Km 15: Eu tenho igreja de bairro, escola de criança pequena, campo de futebol, mas, principalmente, tenho água. Pra a tal da Josi (que conheço motorizada, ela vive passando por mim para visitar um parente) não faço diferença, ela está com uma mochila de água. Já o companheiro Ari só curte minha água e não aceita estas águas ensacadas de mochila. Gente boa, ele e os ciclistas de sempre!
Km 16 e 17: Temos grama, somos  beira de pista de acesso. Não sujamos  ninguém e somos bons  para descansar a sola dos pés.  Temos  revoada de pássaros de manhã bem cedo, bem no  horário que estes corredores estão passando. Fornecemos distração para a mente deste pessoal que já começa a ficar cansado...

Km 18: Sou Rodovia Bandeirantes, sou cheio de asfalto, carros e até  pedágio.  Ari corre por mim normalmente, mas a corredora atrás já diminuiu o ritmo consideravelmente. Vejo ele voltando para buscá-la, ela ficou pra trás, coitada! Foi em mim que o efeito da visita aos meus irmãos Km 9 e 10 ocorreu e isto era bem previsível!
Km 19: Eu e meu irmão Km 18 somos como casas geminadas: o meu irmão, asfalto. Eu, terra. Somos grudadinhos. Vejo todo o movimento festeiro ao lado, mas sou mais simples e rústico. E parece que isso ajudou na recuperação da Josi. Faltam só mais 9 irmãos para serem visitados.

Km 20: Sou terra batida cheia de emoções , tipo uma montanha russa, com rampas curtas, mas intensas. Não poderão me chamar de tedioso por isso estou indignado com as reclamações  da Josi.
Km 21:  Sou aparentemente normal, com morrinhos de sempre para variar, sou  assim mesmo, previsível. Quer dizer, tenho umas surpresinhas: cachorros latindo, com aqueles dentões de fora, meus bichinhos de estimação! Não sei porque estes corredores não gostam deles, eu fico magoado com isso.

Km 22 e 23: Sou repleto de sítios e se os muros não fossem tão altos daria pra ver as caminhonetes chiques dos nossos inquilinos. Somos  terra contínua, com  descida suave. Somos despedida do campo. Somos agradáveis e simpáticos,  dá pra perceber quando os colegas corredores passam por nós tranquilamente. 
Km 24: Acabou a moleza MESMO. Meu nome oficial é Subida do Macarengo. Tenho casas. Sou asfalto. Os corredores agora tem público. Sou bem inclinado, bastante inclinado, dolorosamente inclinado. Me orgulho de ser um pesadelo, não mandei ninguém passar por aqui. A corredora já começou a  andar. E ainda acham que meu número é de veado!
Por ironia, termino num pronto socorro, o Upa. Ironia, não: Necessidade! Há, Há, Há!

Km 25: Tenho asfalto, tenho casas. Tenho água de poço artesiano. Tenho parada oficial em função disto. Sou amado, desejado, sou retilíneo, sou perfeito. Forneço sombra.
Eu acho que tudo isso é necessário, o meu irmão 24km não tem coração!

Km 26: Sou o antigo Km 3. Tenho várias faces. Agora sou uma descida muito boa, mas continuo chique e rico, quero deixar isso bem claro!
Km 27 e 28: Somos os antigos 1km e 2km aquecedores. Agora somos os detonadores, viramos nossa face e somos subidas.
Somos o Alfa e o Ômega. O começo e o Fim.
Nós sim somos os melhores,mas gostamos destes dois: eles estão sempre com a gente!

Prólogo
Segundo fonte confiáveis e inanimadas como nós,  Ari voltou para casa normalmente e curtiu o domingo como qualquer outro fim de semana. Já a tal da Josi sofreu assaduras que gritaram no momento do banho, isso porque a tal visita que ela nos fez foi numa manhã agradável de outono. E comeu umas dez tangerinas para matar a fome e a sede que a atacaram depois.
E ela ainda vai tentar visitar o nosso irmão 32 km!! É doida!