sábado, 28 de maio de 2016

Capítulo II- O Cardiologista

Não pensem que sou daquelas pessoas doidas que praticam corrida sem frequentar o cardiologista, não tenho a mínima vontade de morrer correndo toda suada, fedendo e com sede. Então tenho (tinha) um cardiologista que vejo (via) de dois em dois anos porque, segundo ele, este tempo é suficiente se a questão é só verificar se estou apta para meu querido esporte.

A primeira vez que fui neste cardiologista  foi por causa de um relógio com marcador cardíaco que apontava sempre que eu estava tendo um infarto enquanto eu corria. Ele fez todos os exames, inclusive o de esteira- achei horrível, nunca corri em esteira, que coisa mais sem graça, parece instrumento de tortura- e falou pra jogar o relógio fora e correr tranquilamente. Ele foi muito legal, disse que a mulher dele teve o mesmo problema com o monitor cardíaco dela, me senti até à vontade para falar mal de uns ortopedistas que ficam mandando a gente parar de correr na primeira lesão que aparece e ficam praticamente jogando praga profetizando que teremos dores lancinantes no quadril quando ficarmos velhos e o cardiologista foi todo bacana concordando comigo que é assim mesmo, que alguns colegas de profissão são meio exagerados.  Achei o médico o máximo!

Só que dois anos depois ele foi possuído pela alma de um médico ortopedista agourento!

Fui ao consultório,  ele mal olhou pra minha cara, fez os exames de eletro, considerou desnecessário fazer esteira, mandou fazer uns exames de sangue e disse que eu nem precisava tanto assim ir de dois em dois anos.  Isso foi em outubro do ano passado.

Voltei ao consultório dele em abril pra pegar o tal laudo pra fazer a maratona de Foz  e eu, toda animada, pensando que ele iria simplesmente fazer o documento. Coitada de mim: ele mandou fazer o teste de  esteira porque eu não tinha feito  da outra vez.

Eu: Mas só não fiz esteira porque você falou que eu não precisava!
Médico possuído: Mas você não ia correr uma maratona, não é?
Médico Possuído de novo: E é melhor você dar seus pulos: teste de esteira  neste prazo de 10 dias pra você fazer a inscrição, não sei se vai dar. E eu não posso assinar laudo sem ter certeza do seu quadro clínico.
Eu (pensando e olhando silenciosamente para o médico): Como assim, só faço esteira se eu fizer maratona? E as outras corridas?  Por que na primeira vez eu fiz então?
Eu (falando agora): Tá.
(Sei que a minha postura foi muito submissa, mas não estava a fim de trocar- muito menos brigar- com o cardiologista com um prazo tão curto de tempo para resolver meu problema.)

Fui atrás dos lugares para marcar a tal da esteira.  Todas as clínicas só tinham o exame para o mês seguinte.  Quando cheguei  no terceiro local, acho que meu olhar foi tão desesperador (provavelmente a voz de súplica também ajudou) que a recepcionista me encaixou num horário na mesma semana. O cardiologista do teste foi muito simpático e tal, mas agora não caio mais nesta conversa de médico legal.

Peguei o resultado do teste. Levei para o cardiologista. Ele finalmente fez o laudo. Mandei por email para a organização da prova de Foz . Deu certo. No minuto final, como sempre, mesmo que eu planeje tudo com bastante antecedência.

Meu marido diz que o meu ex- cardiologista não fez nada de errado, que é assim que as coisas funcionam. Não concordo: se realmente ele se importasse com o meu “coração”, teria feito o teste de esteira quando fui fazer meus exames de rotina. Pra mim, a preocupação dele era outra: o nome dele no papel. E só.

Capítulo I: Túnel apertadinho

As inscrições para a Maratona de Foz do Iguaçu abriram no dia 25 de abril. Um mês antes, o site de inscrição já estava na lista dos meus favoritos. Um mês antes, eu já havia deixado duas páginas de informações para que meu marido fizesse a inscrição para mim, pois dou aulas todas as manhãs. Por que todo este desespero?

  -  Só havia 800 inscrições para a maratona individual ( ao contrário de umas provas por aí que quanto mais gente melhor, desde que paguem bem pra isto. Tipo São Silvestre.  Tipo Maratona de São Paulo. Tipo Yescom) Já a de Foz do Iguaçu o  preço era até bacana: R$70,00.
        - A data, como  já havia dito, daria tempo para me preparar. Se não fosse ela, só sobraria Curitiba, mas em novembro o meu corpo já não responde aos meus comandos: eu digo corra, ele entende anda e se eu insistir muito, se lesiona. De propósito, provavelmente. O cérebro e os músculos entram numa relação de conflito que não gosto de interferir.
 -  Correr no paraíso: quem não quer? Com subidas sim, mas tudo o que sobe, desce...

Mas o outro motivo da minha preocupação com a inscrição chamava-se comerciários. Segundo o site de inscrição, eles tinham direito a se inscrever uma semana antes. E na minha mente fértil, todos os comerciários viraram maratonistas, do nada! Não é de hoje que eu tenho meio que ciúmes desta classe: na Praia Grande, em São Paulo, há três anos vou correr a meia maratona de lá. E as pousadas, tirando a do último ano, foram horríveis. Os hotéis, muito barulhentos, ficam no Boqueirão, muito longe da largada. Então eu olhava pra colônia de férias dos comerciários que tem lá, tão perto do mar, tão perto da largada, tão longe do barulho e me dava certa tristeza em não ser um comerciária, mesmo nem sabendo exatamente o que um comerciário faz. (Se você é um comerciário, saiba que você tem bastante vantagens nas corridas longas de rua e deveria aproveitar o benefício. Só acho)

Mas acabou  dando  tudo certo, meu marido fez a minha inscrição na manhã em que as inscrições para o “povão” foram abertas, imprimiu o boleto, fui ao banco, toda emocionada, mas é claro que era zoeira , não estava tudo certo não:  leio uma informação no boleto, bem na hora em que eu passava o código de barras: “É necessário laudo médico. Se em 10 dias  ele não for enviado à organização da prova, a inscrição será cancelada.”

Tipo aqueles avisos de computador doido nos filmes de ficção científica pra sair correndo da sala em dez segundos porque tá vindo bomba.

A casa caiu. 

A primeira maratona: Introdução

Só foi fazer dez meias maratonas e pensar em trocar o meio por um inteiro que os problemas surgiram. Acho bacana gente que decide fazer uma maratona, se inscreve, treina, faz a prova e fica depois só dormindo de conchinha com a medalha merecida. É claro que este não é o meu caso, comigo tudo tem que ser dramático, estilo mocinho de novela bigodudo abraçando heroína chorona.

A estreia numa maratona precisava ser um marco, algo especial, mais ou menos o equivalente a uma mulher perdendo a virgindade na noite de núpcias no Afeganistão. Nada de fazer a primeira maratona em São Paulo, todo mundo vai pra São Paulo comer mortadela no Mercadão! Nada de fazer a Maratona de Campinas ou de Piracicaba e ter que ficar rodando um mesmo trecho pra lá e pra cá, aquilo aciona labirintites secretas. Não!! A pessoa aqui fica inventando. E resolveu sonhar com Porto Alegre, em junho, com aquele frio elegante , quem sabe até correndo com uma touca na cabeça pra na foto ficar parecendo que está correndo na Europa- só na foto porque, obviamente, não tenho dinheiro pra correr na Europa.

 Mas só foi pensar em Porto Alegre, me imaginar nas ruas geladas de lá e já apareceu uma lesão estranha no pé que me fez demorar a voltar até mesmo aos longos tranquilos dos domingos. E depois veio gastrite com bactéria no estômago ( um mistério total de onde veio a miserável) e um porrada de antibióticos para, por fim, me obrigar a dar adeus para Porto Alegre lá da janelinha do meu avião imaginário. Junho não dava mais para se preparar. E agora? Qual a outra opção?

Então fui pro lugar que a gente vai quando não tem o que fazer e quando temos o que fazer também: a internet. Vi uma cena impressionante, quase uma iluminação: uma subida enorme e um povo doido se espremendo nela. Mas era linda a moldura, deu pra sentir o clima de ar condicionado –modo fresco, claro- aqui de casa. Cliquei em cima da imagem: Maratona de Foz do Iguaçu. “Çu” rima com “Sul”. Perdi o “Sul” do “Rio Grande do Sul”, mas esta sonoridade simpática me trouxe esperança. A prova, em Setembro. Dá tempo. Foco nela. Mas é claro que tudo está sendo complicado. Como sempre, desde o começo. Segue o relato da minha novela, em tempo real. Preciso ir pra um balneário ou uma banheira qualquer mesmo ( mentira: balneário é mais estiloso!) e me jogar no sal grosso.