domingo, 24 de junho de 2018

A arte de correr na terra. Quando tem e se não chover

Entre os super longos (que considero os acima de 30km, ou talvez melhor seria chamar de "daqui pra frente dói") e o"descanso"( treinos de 10km a 15km, geralmente no domingo anterior aos super longos) localiza-se o melhor dos treinos: simplesmente os longões, treinos de 21km a 28km, que são os meus preferidos. E nestes dias felizes, sempre quando é possível, encaixo um treino na terra, nem que seja parcialmente. 

Toda vez que vejo vídeos da elite africana correndo dá pra perceber que eles curtem muito este tipo de treino, o que tem bastante lógica: treinar na terra descansa as solas dos pés e qualquer tênis presta. O treino em estrada de terra cansa horrores, especialmente porque não são estradas niveladas e sempre encontramos bancos de areia no percurso, mas após o treino é como se nem tivéssemos corrido. Correr em estrada de terra é como treinar nas nuvens, esta é a verdade. Mas é claro que a realidade por aqui não é a mesma da elite africana (especialmente a velocidade, é óbvio) e vou enumerar porque um treino deste tipo é tão difícil acontecer:

1-  As cidades da minha região são mais urbanas que rurais: Por mais que eu tente, o asfalto sempre domina a maioria das estradas, consequência da modernidade e de um mundo voltado para a utilização de carros. Cada vez que estabeleço um percurso de terra é inevitável uns 5 km  de asfalto até a área rural. Chato isso.

2- As estradas de terra nem sempre tem água: quando corremos no asfalto, sempre temos postos de gasolina ou outros lugares para beber água. Em estrada de terra isto não acontece, salvo lugares com minas de águas, tão raras que parecem um sonho! Então preciso levar a tal mochila de hidratação, que detesto:  mesmo a gente se acostumando com ela depois de um tempo, no final, sinto sempre que meus ombros ficam travados.  Quando a gente precisa, a gente usa, mas é muito melhor sem. E nem sempre dá pra colocar garrafinhas escondidas no mato no dia anterior, especialmente quando o lugar que iremos correr é muito longe de casa.

3- A segurança: coloquei como o terceiro item, mas este é o mais importante, especialmente para quem é mulher. Se sempre há o perigo de assédio e estupro neste país, em qualquer rua, imagine só o que a solidão da estrada de terra possibilita de perigos! Eu mesma precisei uma vez (e nem era longão!) pedir ajuda a uns trabalhadores rurais, pois estava sendo seguida por uma caminhonete muito suspeita!  Então a gente procura companhia para correr nestes lugares, mas não é fácil: nem sempre tem gente querendo correr 25km no dia, às vezes  o ritmo do seu colega é muito diferente do seu e até mesmo as planilhas de treino não batem. Não vou mentir que de vez em quando arrisco ir sozinha, mas em lugares que sei que encontrarei um outro grupo que acaba sendo parceiro nestas horas e atualmente estão em grande número: os ciclistas. 

4-  O problema da chuva: Sei que tem o pessoal do traill (que nunca vou entender neste vida!) que adora escorregar no barro, ficar andando nos rios e tirando galhos do meio de trilhas, mas definitivamente não pertenço a este grupo porque nem andar consigo direito nestas condições.  Então quando chove, já era o treino de terra, a gente recorre ao asfalto mesmo. Eu só fico torcendo que não ocorra chuva em dias que a planilha permite terra ou, pior, dias em que me inscrevi numa corrida com trechos de terra, como aconteceu neste ano: participei de uma corrida rústica em Indaiatuba e odiei ficar lá, me agarrando em fiapos de mato, morrendo de medo de cair! Nunca mais!

Para a maratona de Floripa, tive dois treinos parciais de terra: um de 26km, com meu colega corredor "raiz" Ari  e outro de 25km, torcendo para encontrar ciclistas porque o Ari não pode ir comigo. Encontrei bastante ciclistas e agora até estou achando aquela área rural bastante movimentada, estou perdendo um pouco do medo e não sei se isto é bom. Escondi água num trecho ( tô ficando craque nisto) e cheguei em casa  marrom de tanta poeira no caminho- mas sem dor nenhuma, só cansaço, O corpo fica cheio de pó, mas a alma  fica cheia de natureza, de liberdade e da pureza que estes treinos representam. Planejo este tipo de treino não só pra maratona, mas pra vida inteira.  Assim espero.
Igaratá (SP) sem barro

Salto (SP) sem barro e com sombras de árvores


O horror de correr no barro (Indaiatuba)
Meu colega de treino na terra, Ari (perto de casa, Sumaré)


terça-feira, 5 de junho de 2018

Segundo Super Longo pra Floripa: Itanhaém

A greve

A gente tem sonhos tão simples na vida como fazer um super longão no litoral, a gente planeja, guarda dinheiro, faz acertos e tal, mas o destino estava de novo cheio de pegadinhas no caminho, no caso, caminhões em greve, a única greve que consegue parar o Brasil, porque, ao contrário do que dizem, a maior paixão do brasileiro não é o futebol, mas o carro na garagem.
E assim como todos os carros, o meu estava sem gasolina para viajar para Itanhaém.  Mesmo apoiando a greve, com  planos de comprar bicicleta até, foi chegando a data da viagem e fui ficando tensa.
Meu paciente marido pediu pra eu desistir. Muitos disseram o mesmo. Impossível ir pra Itanhaém de bicicleta e depois correr mais 35km!  Mandei um email desistindo, mandei chorando, agora posso confessar, podem me chamar de infantil, mas quando trata-se de viagem (e com corrida!) eu perco a racionalidade quando frustrada.
Mas o sol voltou, ou melhor, os caminhões voltaram a trabalhar  e pude colocar gasolina no carro. Mandei outro email retomando a reserva e lá fomos nós.

Por que Itanhaém?

Itanhaém tem uma areia diferenciada, especialmente onde costumo ficar, no bairro Suarão. É uma areia dura e a última vez que treinei lá ( 2 horas e meia correndo) com chuva, vento e frio na cara, foi fantástico, a praia era só minha, a sensação sempre é de ter alugado o litoral da cidade e o prefeito de lá  dissesse: " Desculpe moradores e turistas, mas a praia é só da Josi, não ousem atrapalhar o treino dela"  
Fala a verdade, até milionários, donos de ilhas , não tem este privilégio...

Praia do Saurão, com sol. Meu marido e minha filha soltado pipa.

E realmente foi assim desta vez também, pra tristeza de meu marido e da minha filha que ficaram presos no hotel: chuva, vento e frio. E ainda com a vantagem de ser junho, sem aquela necessidade de madrugar pra correr porque não tem aquele sol horroroso fervendo nosso cérebro.
No dia anterior fomos  esconder os copos de águas e a coca-cola pequenininha, minha fonte de sódio. Meu marido foi junto, vai que precisasse me buscar, só assim ele saberia qual era o trecho que eu faria. Deu 34km na nossa conta.

O longão:

Não dormi direito, como sempre. Sábado à noite sempre tem um som de fundo, distante, mas tenho total consciência que não era o barulho que me atrapalhava, mas sim a minha cabeça ansiosa de sempre. (Anotação para o próximo longão: comprar chá de valeriana)
Na manhã seguinte, o dia perfeito para ficar sozinha na praia, o tempo super fechado de sempre.
Mas...
Lá vem o mas...
O mar de Itanhaém estava bravo, lindo, escuro e ocupava quase toda a areia e me empurrava para correr na parte "fofa" da areia.
Foi triste, minhas pernas ficaram bambas, foram quase 5km assim. Resolvi voltar no trecho de asfalto e minhas pernas estavam  muito pesadas. Apertei o botão do meu relógio pra descansar um pouco e ferrou tudo: ele parou de marcar e lá se foi a meta de ver o lindo mapa do trajeto que eu teria no fim de tudo!
Não tinha dado 10km ainda e eu pensando: "Bem, só (SÓ!!) faltam 25km, não vou parar por causa do relógio e vir pra Itanhaém não foi fácil, eu vou me arrastando até o final, se necessário"
Enfim, as pernas se acostumaram com o asfalto e melhoraram e quando faltava pouco pra chegar em Mongaguá, notei a areia dos sonhos de volta. Corri até o pier pela areia e voltei, totalizando uns 5km muito agradáveis!
Tinha dado 21km ainda, pelas minhas contas dos copos de água. Bora terminar na marginal da rodovia!
Tinha água no Upa, parei lá pra ir ao banheiro e tive noção de como estava molhada! Quilômetros depois, a minha boca começou a ter o efeito de secura  (detesto) e comprei uma mexerica no mercado. Resolveu. (Anotação para o próximo longão: deixar uma laranja descascada junto com as águas escondidas)
E não parou de chover.
Três pessoas me chamaram de guerreira no caminho. Eu estava tão cansada que me emocionei  de verdade com o incentivo!
Quando eu estava aproximadamente no km31, comecei a enxergar subida onde não tinha. Quando chegou no final, eu sabia que ainda faltava 1km, mas decidi ficar só nos 34km mesmo: estava me sentindo um sachê de chá usado e esquecido na xícara!
Na hora de tomar banho o único local que eu não tinha passado vaselina (na alça do Top) ardeu feito brasa!
Mas eu tinha terminado o meu longão: iria beber cerveja com o meu marido depois, eu merecia e ele também por sempre me apoiar.
E a sensação de ter vencido mais um desafio voltou. Porque melhor que correr a maratona sempre será treinar para ela.

Euzinha, depois do longão e da cerveja


Prólogo: Tenho mais dois longões neste mês de junho: um de 25km, num  percurso difícil e, por isto, talvez eu poste aqui. E mais um de 35km, que, com certeza, é capítulo certo por aqui!